a corrida que não tem linha de chegada

há quem viva como se a vida fosse uma eterna dívida
como se dormir mais de 6 horas fosse um crime
como se parar fosse retroceder
como se meditar e cuidar do corpo fosse coisa de "quem tem tempo"

o corpo sussurra: o cansaço que não se desfaz
a dor insiste
a mente implora silêncio
ninguém escuta
"só mais um cafezinho pra aguentar"
sempre há algum lugar pra chegar: mais um projeto, mais um objetivo
será que existe mesmo esse lugar?

guerreiros que ainda achamos que somos, transformamos o tempo em batalha
as semanas voam, e mal olhamos ao redor
não percebemos que a vida se desfaz em silêncio
nossos filhos crescem, quase invisíveis
as mães adoecem e o único que fazemos é levar elas na farmácia
os amigos se afastam "naturalmente"
a saúde se gasta, lenta e impiedosa
e quando sobra tempo, falta corpo

falta alma

vivemos como se houvesse um troféu para quem mais se esgota
dormir pouco, estar sempre ocupados, nunca falhar
orgulho moderno
como se, no fim da corrida, uma medalha nos aguardasse
mas qual corrida? qual linha de chegada?
o relógio não diz nada
ele apenas corre, indiferente ao nosso esforço

no entanto, quem ousa trabalhar menos é tachado de preguiçoso, de vagabundo, de inútil.
como se desacelerar fosse ruim,
como se merecer descanso fosse vergonha

e se a morte fosse o troféu irônico da vida?
ela que não consulta agenda, não respeita prazos
não pergunta se você terminou o projeto
se conseguiu dizer para o seu parceiro(a) o quanto você o(a) admira
ela só chega
e tudo que parecia urgente desaparece
quem lembrará das noites mal dormidas?

e há uma injustiça que corta mais fundo: o privilégio
alguns podem trabalhar menos, falar de equilíbrio, aprender a dizer não
outros nunca tiveram escolha
acordam antes do sol, pegam ônibus lotados, trabalham em pé o dia inteiro,
voltam para casas silenciosas, sem ouvir sua própria voz
não podem parar
se pararem, falta comida, falta teto
falta vida

trabalhos manuais que sustentam o mundo, raramente celebrados
se essas pessoas morrem amanhã, não deixarão troféus, nem títulos
apenas contas, jornadas interrompidas, sonhos adiados pela sobrevivência

a desigualdade dói:
uns falam de burnout em escritórios com ar condicionado
outros carregam calos nas mãos e músculos moídos, sem nunca ouvir falar de autoconhecimento
uns correm atrás de metas abstratas
outros suam pelo essencial: arroz, aluguel, remédio

e, ainda assim, diante da morte, somos todos iguais
ela não distingue executivo de operário, homem de mulher, autônomo de funcionário
o que muda é como vivemos antes dela

mas a vida escapa
"não temos tempo" para estar com quem amamos
não temos tempo para acolher a tristeza silenciosa do filho
não temos tempo para cuidar da mente e buscar ajuda

no fim, não são metas cumpridas que permanecem
são abraços que duram mais de dez segundos
olho no olho
risadas que doem a barriga, conversas sinceras, tardes sem pressa
sentir o vento no rosto, caminhar sem destino, sorrir sem motivo
partilhar histórias antigas, dividir sonhos, fazer planos
aprender, perdoar, agradecer
cultivar presença, empatia, gentileza
é permitir-se estar inteiro, para si e para os outros

a conta é simples: não podemos oferecer ao outro o que não damos a nós mesmos

talvez a vida seja menos sobre conquistar e mais sobre simplesmente estar
menos sobre exigência e mais sobre respiro
não se trata de abandonar responsabilidades,
mas de lembrar que nada pode ser mais urgente do que viver

a verdade é simples e dura: a morte não espera
e quando esse dia chegar,
restará apenas o que realmente vivemos, sentimos e compartilhamos,
ou o que jamais tivemos a chance de viver de verdade
porque, no fim, as pessoas não lembrarão do que conquistamos,
mas de como as fizemos sentir

Aghatta O. M.